A minha relação com o dinheiro não é muito legal (#7)
Por um momento da minha vida eu nunca tive nada, aí eu cresci e acho que mereço tudo
Antes de começar, uma musiquinha pra relaxar… (OBS.: não me responsabilizo por nenhuma letra que possa te afetar).
Por um bom tempo, minha relação com o dinheiro foi simples: ele não existia.
Quando eu ia no shopping com meus pais, eu sempre pedia alguma coisa, mas eles diziam “hoje não dá, tá?”. Depois de um tempo, eu via as coisas que eu queria muito e já falava “esse aqui não dá pra comprar, né, mãe?”.
Eles me tiveram muito novos, minha mãe tinha 18 e meu pai 19, eles ainda estavam estudando e eu tinha que ficar com a minha tia. Praticamente foi ela que me criou, e nunca me faltou nada.
Até um tempo, pelo menos.
Depois que meus pais se tornaram mais frequentes na minha vida, eu já tava um pouquinho maior. A gente tinha uma condição de vida do tipo que dava pra sobreviver. Não faltavam coisas, mas também não sobravam.
Entre meus 7–9 anos, a gente tinha se mudado de estado e foi ali que as coisas apertaram. Meu pai trabalhava em outra cidade e vinha pra casa só uma vez por mês. O dinheiro não dava e minha mãe não queria ficar pedindo pra ele. Foi nesse período que passei fome. Lembro perfeitamente do dia que meu almoço foi um copinho de iogurte e o resto do chuchu com feijão que sobrou do meu irmãozinho. Minha mãe não comeu nada.
Fiquei mais velha, entrei na faculdade e comecei a trabalhar. Meu salário era R$ 100, juro! Fico chocada até hoje em COMO aceitei isso pra um estágio. E não faz muito tempo, viu? Foi 2017.
Tá certo que aprendi muito, mas fiquei 6 meses ganhando essa quantia. E era incrível como eu conseguia fazer esse valor durar o mês inteirinho. Eu morava com meus pais ainda, então não precisava ajudar em casa — e meu pai nem queria que eu fizesse isso, meu foco era sempre estudar.
Eu conseguia fazer R$ 100 renderem entre lanches na faculdade e mimos que eu queria comprar pra mim. Como eu fazia isso? Só Deus sabe. Em vez de multiplicar pães, eu multiplicava notas.
Fui efetivada nesse emprego, passei a ganhar muito mais (sério, era R$ 1.200!), e a partir daí, me senti rica! Comecei a ajudar em casa — mesmo contra meu pai —, com a conta de energia. Ninguém mexia nela, era eu que pagava, não importava o valor. Essa era minha forma de mostrar gratidão por meus pais terem me sustentado por tanto tempo.
Fiquei mais velha, troquei de emprego, meus salários foram aumentando e tudo desandou de verdade quando comecei a morar sozinha.
Não vou mentir, foi um baque, porque a partir dali, não era só a conta de energia que eu pagaria, mas também água, IPTU, aluguel, alimentação, internet… Por incrível que pareça, me adaptei muito bem. Eu conseguia pagar todas as minhas contas sem ficar no aperto, porém, na mesma dinâmica da minha infância: apenas sobrevivendo.
Quando minha situação começou a melhorar um pouquinho mais e o dinheiro começou a sobrar de verdade, um mundo novo se abriu. Eu comecei a achar que eu merecia tudo.
Mas não era um “mereço um agrado de vez em quando”. Era um mereço conhecer o restaurante mais caro da cidade porque trabalhei muito esta semana, mereço um roupão de seda pra andar pela casa como uma milionária entediada, mereço essa vela de 300 reais que promete me dar paz interior e cheirinho de lavanda.
O problema? O dinheiro não recebeu esse aviso. Ele ia embora na mesma velocidade que chegava, sem nem olhar pra trás. Eu tratava ele como um hóspede VIP, mas ele me tratava como um rolo casual e sumia sem dar satisfação.
E eu compreendo que toda essa necessidade de merecer é porque fui muito privada de tudo na infância. Agora eu não precisava mais me preocupar sobre ter como comprar alguma coisa ou não, eu apenas ia e comprava, depois me resolveria com a fatura.
Acho que esses gastos só são descontrolados, porque sei que as consequências vão ser somente minhas. Eu sempre fui muito regulada quando era criança, e a ideia de imaginar que poderia colocar meus pais em problemas só por querer alguma coisa, me apavorava muito.
Eu tinha um amigo que teve uma infância tão difícil quanto a minha, porém, ao contrário de mim, por ele nunca ter tido dinheiro na infância, na vida adulta ele virou uma pessoa completamente mão-de-vaca. Ele nunca saía pros lugares com os amigos do trabalho porque não queria gastar, não ia a shows, não comprava coisas que queria, nada! Ele apenas juntava dinheiro porque tinha pavor de que um dia pudesse passar por tudo o que passou de novo.
Observando nós dois, percebi que a gente tomou caminhos opostos pelo mesmo medo. Ele economizava tudo porque achava que o dinheiro poderia sumir a qualquer momento, e eu gastava tudo porque, no fundo, achava que nunca seria suficiente de qualquer jeito. No fim, era o mesmo trauma, só que processado de jeitos diferentes.
E aí vem a parte engraçada: por mais que nossas abordagens fossem opostas, nenhuma das duas realmente resolvia o problema. Ele vivia preso no medo da escassez, eu vivia presa no ciclo da recompensa imediata, e os dois continuavam reféns do passado.
Acho que meu grande desafio agora é encontrar um meio-termo. Parar de ver dinheiro como uma entidade que me castiga ou me recompensa, e começar a ver como uma ferramenta. Algo que pode me proporcionar coisas boas, mas que também precisa ser respeitado.
Sei que não vai ser uma mudança de um dia pro outro. Mas pelo menos já tô conseguindo pensar nisso sem entrar direto no site da minha loja favorita. E isso, pra mim, já é um sinal de progresso.
Mas confesso que é complicado. Acho que levo muito a sério os ensinamentos de Pabllo Vittar dizendo que é melhor se arrepender do que passar vontade.
Lista de coisas desnecessárias que eu já comprei:
Um powerbank de R$ 300 porque o cara da loja me ofereceu uma promoção irrecusável pagando no pix. Não é que eu não precisasse de um powerbank, ele só não precisava custar R$ 300.
Uma escova de tirar pelo de gato. Meus gatos têm medo do barulho que o vapor faz, então eles não me deixam nem chegar perto deles com ela.
Pelo menos 10 tipos de brincos diferentes porque agora tenho vários furos na orelha e decidi que ia ter mais brincos do que furos, porque vai que eu preciso usar 28 brincos de uma vez, né?
Mais de 100 adesivos, porque eu queria colar no meu notebook, no meu tablet, no meu celular… Acho que não devo ter usado nem 15. Mas um dia eu vou!!!!
Uma miniatura do Pluto. Ele tava muito sorridente, eu precisei…
Bolsas de todos os tamanhos diferentes, porque eu tinha uma muito grande, então eu precisava de uma menor. Depois aquela era muito pequena e a outra muito grande, então era necessária uma média. Mas nenhuma delas parecia uma bolsa de sair, então eu precisava de uma mais bonitinha. Agora, nenhuma delas é boa o suficiente pra carregar meu notebook. Comprei outra.
Com a bolsa, também comprei broches pra colocar nela, pra não ficar tão vazia, sabe? Preciso que esteja bonitinha!
Um planner de mais de R$ 100 porque eu jurei que usaria esse ano sem falta!!!! Parei no dia 15 de janeiro. Mas vou voltar a usar essa semana, é sério!
Também comprei lápis de cor pra pintar a parte de “meu ano em pixels” do meu planner. Pintei 5 dias e os lápis estão jogados ali no canto.
Meu problema é comprar, achar que vou usar e, no fim, só acumular ou gastar dinheiro à toa. Entre a mentalidade da escassez e a síndrome do “eu trabalhei muito, então vou comprar esse abajur de formato duvidoso porque eu mereço”, será que dá pra ser alguém que aprecia dinheiro sem viver em guerra com ele?
Nos últimos meses, eu tava desempregada, então segurei todo o dinheiro que eu tinha com a minha vida, afinal, eu não sabia quando ele ia acabar. O problema foi que todos os meus amigos resolveram lembrar de mim e me chamar pra sair. Na semana anterior eu tava reclamando pra minha psicóloga que eu tava muito sozinha, então eu ia recusar esses convites logo agora? Claro que não!
Gastei bastante dinheiro, mas felizmente, nada que me fizesse falta depois.
Só fico me perguntando como encontrar um equilíbrio pra isso. Não quero ser igual aquele meu amigo que não tinha lazer algum porque não queria gastar, mas também não quero gastar achando que mereço tudo, porque às vezes não mereço mesmo.
E isso nem só com compras de coisas pra usar, viu? Muitas vezes mereço muito delivery também. Mereço um sushi por causa de um dia ruim, mereço um hambúrguer porque é sexta-feira, mereço uma pizza porque foi uma semana puxada, assim como mereço um docinho porque depois disso vou focar na dieta de verdade!!!
O problema é que essa lógica do mereço nunca acaba. Sempre tem um motivo novo pra gastar. Se eu for seguir esse raciocínio, vou merecer um café caro porque acordei cedo, um vinho porque foi um dia cansativo, um ingresso de show porque a gente só vive uma vez (concordo com isso), e, do nada, meu cartão tá gritando socorro e eu nem sei direito onde foi parar o dinheiro.
E o pior é que, na minha cabeça, tudo faz sentido na hora. Porque é isso: agora eu posso, né? Não preciso mais justificar cada compra ou me preocupar se aquilo vai prejudicar outra pessoa. Mas aí vem a fatura e me lembra que só porque eu posso não significa que eu devo.
Por que me preocupo só em prejudicar outras pessoas financeiramente, mas quando é comigo, sempre dou um jeito? Por que não me importo com o meu bem-estar financeiro também?
Talvez o equilíbrio esteja em entender que nem tudo precisa ser uma compensação. Que posso gastar comigo sem ser por impulso, que posso curtir sem precisar justificar cada escolha com um eu mereço porque passei por muita coisa.
Quem é que não passa por muita coisa? Não sou especial por causa disso.
E talvez a resposta esteja em fazer perguntas diferentes. Em vez de “eu mereço?”, começar a perguntar “eu realmente quero isso ou só to tentando preencher alguma coisa?”, “Isso vai me fazer feliz agora ou vai me fazer feliz de verdade?”
Não sei. Ainda tô descobrindo. Mas uma coisa é certa: vou precisar de muito autocontrole pra não responder todas essas perguntas com um ah, mas eu mereço, né?
vou começar comentando sobre a indicação da música: rosé rainha!
acho que quase todo mundo que viveu uma infância querendo muito e podendo ter pouco passa por isso quando começa a ter dinheiro. comigo foi a mesma coisa. confesso que ainda tenho dificuldade em pôr limites em mim mesma. eu falo muito a palavra "comprar". graças a Deus, meu marido é bem sábio financeiramente e me ensina a olhar pro futuro e pensar se aquilo é necessário mesmo. ele é um ótimo investidor e é muito racional (diferente de mim). e eu sou um desastre com delivery — se depender de mim, compro todos os dias. obrigada, marido, por me segurar :')
eu não sou muito fã de influencers financeiros, mas teve um vídeo que eu vi que me ajudou muito a entender certas coisas (juro, é o único vídeo desse cara que eu gosto): https://youtu.be/ypShUC5byf4?si=xjD2430g5DUSf4wJ
Eu sou tipo o seu amigo (sem a parte de ter passado aperto na infância). Preciso melhorar 🙈