A solidão de não se sentir pertencente (#8)
Quando parece que nenhum lugar é o seu de verdade
Antes de começar, uma musiquinha pra relaxar… (OBS.: não me responsabilizo por nenhuma letra que possa te afetar).
Eu nunca soube exatamente onde me encaixava.
Já falei aqui sobre o quanto me mudei quando era mais nova, e isso fez com que eu nunca tivesse um grupo muito fixo de amigos. A minha primeira “amiga de infância” apareceu só quando eu tinha 10 anos.
Na quinta série, eu tinha voltado pra minha cidade “de sempre”, mas todas aquelas pessoas ali já se conheciam, afinal, estudavam na mesma escola desde a primeira série, diferente de mim, que estudei a primeira e depois só a quinta. Foram quase 4 anos que não vivi naquela realidade, não sabia o que tinha mudado e não fazia parte de panelinhas tão firmes.
Felizmente, sou uma pessoa que, aparentemente, é legal de se ter amizade, porque mesmo sem muito esforço, fui construindo meu grupo de amigos muito rápido, mas, ainda assim, parecia que faltava alguma coisa e eu não sabia o que era.
Cresci e percebi que esse deslocamento não era fase, era estado civil: em um relacionamento sério com a sensação de não pertencer.
Na escola, eu era esperta demais pros populares e pra galera do fundão, mas não nerd o suficiente pros CDFs. Não tinha talento pro time de vôlei e evitava a turma do teatro porque me faltava coragem pra fingir emoções que eu já sentia de sobra. No grupo dos extrovertidos, eu recebia piadinhas de “nossa, nunca ouvi sua voz”, e no grupo dos tímidos, eu era a mais extrovertida.
No fim, eu orbitava ao redor de todos, sem pousar em lugar nenhum.
Na faculdade, tentei ser a pessoa que se adapta. E eu fui! Mas tenho certeza que também tive muita sorte de ter caído em uma turma maravilhosa. Juro por tudo, até hoje (a turma era de 2016) os professores sempre lembram da gente e dizem que fomos a galera mais legal que eles já deram aula em Publicidade.
Eu me dava bem com TODO mundo. Não tô dizendo que eu tinha intimidade com todos, mas era daquele tipo que, se o professor sorteasse grupo, eu não ligaria. Tudo bem que depois de 4 anos juntos, tiveram algumas tretas pelo meio do caminho, mas nada que eu levei pro coração, sabe? Eu me sentia bem de verdade indo todos os dias pra lá.
Foi lá também que conheci minha melhor amiga. É uma amizade que já vai pra 9 anos e é uma das mais duradouras que eu já tive.
Depois da faculdade, a vida adulta prometeu um senso de pertencimento, mas mentiu — como qualquer trailer que parece incrível e acaba num filme ruim. Trabalhar não resolveu nada. Cada escritório tem suas tribos: os que amam happy hour, os que amam Excel, os que amam reclamar. Eu, como sempre, transitava entre eles, pertencendo a ninguém.
No meio disso tudo, tentei romantizar a solidão. Disse a mim que ser uma forasteira emocional me tornava misteriosa, um tipo de personagem cool de filme indie. Só que, na prática, não tinha trilha sonora melancólica tocando ao fundo — só o barulho das notificações do celular.
O pior da solidão não é estar sozinha, é estar cercada de gente e ainda assim sentir que você é um personagem de outra série, que caiu ali por engano. É saber conversar com todo mundo, mas não ser parte de ninguém. É estar sempre deslocada, mesmo estando exatamente onde deveria estar.
Talvez o segredo seja aceitar que alguns de nós são mesmo cidadãos do vazio, moradores da terra de ninguém. E talvez, só talvez, se a gente parar de procurar um lugar pra caber, a gente perceba que já tá exatamente onde deveria estar — mesmo que seja numa mesa de bar sozinha, rindo do próprio desajuste.
Uma vez, em uma sessão de terapia, minha psicóloga me perguntou, com aquela calma analítica de quem já viu todos os tipos de gente bagunçada: “Você já teve a sensação de pertencimento em algum lugar?”
E eu travei.
Não porque nunca tinha pensado nisso, mas porque a resposta exigia um nível de autoconhecimento que eu costumava evitar com memes e pedidos aleatórios na Shopee.
Eu não fingi que tava refletindo sobre o assunto como qualquer pessoa emocionalmente evitativa faria, eu pensei de verdade sobre isso, e acho que foi que mais me machucou. Não deveria ser tão difícil saber quando você sentiu que tava no lugar certo e com as pessoas certas.
Tentei puxar lembranças. Pensei na infância, na escola, na faculdade, no trabalho, nos relacionamentos. Todos pareciam mais com temporadas de uma série onde eu era apenas um personagem recorrente, mas nunca do elenco fixo.
Respondi um não sei. Ela não disse nada. Só me olhou, esperando que eu desenvolvesse. O silêncio dela era quase físico, como uma mão invisível me empurrando pra dentro da minha própria mente.
Acho que talvez me senti pertencente em momentos muito específicos. Mas nunca de forma constante.
Quando encontro um livro ou uma música que parece que foi feita pra mim;
Quando tô sozinha, mas confortável, sem precisar me encaixar em nada;
Quando tô comendo algo absurdamente bom e esqueço de tudo por um instante;
Mas aí, logo percebi que, em todos esses momentos, eu nunca tava com alguém, como se minha vida fosse solitária demais até pra compartilhar momentos bons com os outros.
E não é que eu não tenha amigos, tá? Eu tenho! Mas sempre falta alguma coisa. Se moro perto, falta contato diário — coisa que os canalhas defensores de amizade de baixa manutenção abominam —, falta uma presença mais constante na minha vida no geral. Se são amizades que estão presentes na minha vida todos os dias, falta uma aproximação presencial, já que todos moram longe de mim.
Se eu tenho os dois, a pessoa vai embora pro outro lado do país.
E percebi que talvez pertencimento não fosse um lugar, mas um instante.
Acho que algumas pessoas nascem pra caber nos moldes, pra encontrar um grupo e se aninhar ali confortavelmente. Outras, como eu, são como satélites: orbitam, transitam, pousam de vez em quando, mas pertencem, de fato, ao movimento.
A ideia é, ao mesmo tempo, assustadora e libertadora. Eu nunca teria um “lugar”, mas sempre teria pequenos momentos. Brechas de pertencimento dentro do caos.
Isso me faz pensar se não pertenço ao intervalo das coisas.
Se o mundo fosse uma frase, eu seria a vírgula entre duas ideias. Se fosse uma música, estaria nas pausas, no respiro entre uma nota e outra. Talvez eu seja o silêncio antes do trovão, o instante de hesitação antes de um mergulho, o olhar que se encontra no meio de uma multidão e some antes de virar algo concreto.
E tudo bem.
Na verdade, não tá tudo bem, não.
Eu não quero ser uma coisa que existe só por um momento, que é rápida demais pra que alguém se apegue ou se interesse, que tá sempre por aí, perambulando pelo mundo como se fosse uma alma penada que não encontrou a luz ainda.
Quero ser a sombra, não o sol do meio-dia. Quero ser o tênis confortável, não a sandália bonita que só faz calo no pé. Quero ser o livro relido, não a citação bonita que se perde no tempo. Quero ser a música que alguém coloca no repeat, não só a melodia que toca de fundo em uma loja de departamento. Quero ser o lar, não a parada temporária.
Mas e se eu não for nada disso?
E se meu destino for mesmo o intervalo, a pausa, o quase? E se eu estiver fadada a ser a lembrança vaga, o eco de algo que poderia ter sido, mas nunca foi?
O pensamento me assusta. Me revira por dentro. Porque, no fundo, eu sei que não quero ser uma vírgula. Quero ser um ponto final, um parágrafo inteiro, uma história que alguém segura com força, que alguém vive. Quero ser escolha, não acaso.
Mas, por enquanto, sou só isso.
Um intervalo que pensa demais.
que texto incrível. toda vez que leio algo seu, me pego mergulhada em pensamentos que nem sabia que precisava ter. esse texto, em especial, me tocou de um jeito difícil de explicar. a solidão de não se sentir pertencente é um peso que a gente carrega no silêncio, e você conseguiu colocar isso em palavras com tanta verdade. obrigada por sempre escrever com tanta sensibilidade, ler você é sempre um abraço na alma 💌
Que belo texto!!! Eu amei, me identifiquei muito! <3